Honorários – Sucubências/Equidades

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Por Luiz Mário Bratti*

Mesmo na vigência do  art. 20 do Código de Processo Civil de 1973, sempre sustentei que a) os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência pertenciam, como de fato pertencem, ao advogado da parte vitoriosa (não à parte), devendo ser arbitrados dentro dos parâmetros do § 3º do art. 20 do CPC/73; b) que, mesmo quando do seu arbitramento por apreciação equitativa do juiz, os honorários também deveriam obedecer aos parâmetros previstos no § 3º do art. 20 do CPC/73 (dez a vinte por cento do valor da condenação/causa); c) que, nos casos de sucumbência recíproca das partes, era ilegal a compensação dos respectivos honorários; d) que os honorários advocatícios sucumbenciais, contratuais e/ou arbitrados judicialmente, dada a sua natureza alimentar, se equivalem ao salário do trabalhador, devendo gozar de preferência sobre outros créditos, inclusive os tributários.

Tal posicionamento foi sustentado ao longo de mais de trinta e cinco anos de atuação profissional, bem como, na qualidade de conselheiro/diretor da OAB/SC. Alguns artigos foram publicados em revistas e periódicos especializados, como a “Jurisprudência Catarinense”, a “Jurisprudência Brasileira”, o “Conjur” e outros mais.

Ao longo desse período pude assistir a evolução tanto da doutrina quanto da legislação, mas, sobretudo, da própria jurisprudência dos nossos Tribunais.

Assim, aos poucos, tanto a doutrina quanto a lei e a jurisprudência passaram a reconhecer que os honorários sucumbenciais pertencem, como de fato, sempre pertenceram ao advogado: primeiro, foi editada a Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (EAOAB), cujo art. 23 prevê expressamente que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado…”; depois, foi a editada a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (atual Código de Processo Civil), que, em seu art. 85, § 11, ao tratar dos honorários sucumbenciais, consagrou definitivamente, o entendimento de que “os honorários constituem direito do advogado…”.

Logo, estava definitivamente superada a questão relativamente ao direito dos honorários advocatícios decorrentes da sucumbência.

Entretanto, conquanto a Lei nº 8.906/94 (EAOAB) já previsse a impossibilidade da compensação e o privilégio dos honorários advocatícios em relação a outros créditos (arts. 23 e 24), assim não entendia a grande maioria dos Tribunais brasileiros, inclusive o nosso Eg. Sodalício. 

Por isso, foi necessária a edição, primeiro, da Súmula Vinculante 47, do Supremo Tribunal Federal, depois, do novo Código de Processo Civil (art. 85, § 11), para que ficassem estabelecidas, definitivamente, a natureza alimentar dos honorários advocatícios, e, por conseguinte, o seu privilégio em relação aos demais créditos, bem como, a impossibilidade de sua compensação nos casos de sucumbência recíproca.

E mesmo com a vigência do CPC atual, faltava, porém, de  um lado, tornar obrigatória a fixação dos honorários sucumbenciais dentro dos parâmetros previstos no § 2º do respectivo art. 85, ou seja, entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa; de outro lado, faltava restringir o arbitramento dos honorários mediante a apreciação equitativa do juiz aos casos, expressa e estritamente, previstos no § 8º do aludido art. 85, ou seja, somente nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou muito baixo o valor da causa.

No entanto, a despeito da clareza cristalina do mencionado dispositivo legal (art. 85, § 8º), muitos juízes insistiam em arbitrar os honorários sucumbenciais mediante sua apreciação equitativa também naqueles casos em que fosse elevado o valor da condenação, do proveito econômico ou da causa.

Felizmente, isso vai ter um basta: é que no último dia 31 de maio, foi publicado no Diário da Justiça eletrônico do Eg. Superior Tribunal de Justiça o acórdão proferido pela sua Corte Especial, em sede de recurso repetitivo, nos autos do Recurso Especial 1.850.512/SP, estabelecendo, expressa e cogentemente, que “a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa”.

Em conclusão das presentes anotações, transcrevo, na íntegra, a ementa do aludido acórdão, verbis:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DOS
RECURSOS REPETITIVOS. ART. 85, §§ 2º, 3°, 4°, 5°, 6º E 8º, DO CPC. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. VALORES DA CONDENAÇÃO, DA CAUSA OU PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA ELEVADOS. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015, C/C
O ART. 256-N E SEGUINTES DO REGIMENTO INTERNO DO STJ
.
 1. O objeto da presente demanda é definir o alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85 do CPC, a fim de compreender as suas hipóteses de incidência, bem como se é permitida a fixação dos honorários por   apreciação equitativa quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados.

 2. O CPC/2015 pretendeu trazer mais objetividade às hipóteses de fixação dos honorários advocatícios e somente autoriza a aplicação do § 8º do artigo 85 – isto é, de acordo com a apreciação equitativa do juiz – em situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, estejam presentes os seguintes requisitos: 1) proveito econômico irrisório ou inestimável, ou 2) valor da causa muito baixo. Precedentes. 

 3. A propósito, quando o § 8º do artigo 85 menciona proveito econômico “inestimável”, claramente se refere àquelas causas em que não é possível atribuir um valor patrimonial à lide (como pode ocorrer nas demandas ambientais ou nas ações de família, por exemplo). Não se deve confundir “valor inestimável” com “valor elevado”. 

 4. Trata-se, pois, de efetiva observância do Código de Processo Civil, norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, ainda que sob o manto da proporcionalidade e   razoabilidade, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza. 

 5. Percebe-se que o legislador tencionou, no novo diploma processual, superar jurisprudência firmada pelo STJ no que tange à fixação de honorários por equidade quando a Fazenda Pública fosse vencida, o que se fazia com base no art. 20, § 4º, do CPC revogado. O fato de a nova legislação ter surgido como uma reação capitaneada pelas associações de advogados à postura dos tribunais de fixar honorários em valores irrisórios, quando a demanda tinha a Fazenda Pública como parte, não torna a norma inconstitucional nem autoriza o seu descarte. 

 6. A atuação de categorias profissionais em defesa de seus membros no Congresso Nacional faz parte do jogo democrático e deve ser aceita   como funcionamento normal das instituições. Foi marcante, na elaboração do próprio CPC/2015, a participação de associações para a promoção dos interesses por elas defendidos. Exemplo disso foi a promulgação da Lei n. 13.256/2016, com notória gestão do STF e do STJ pela sua aprovação. Apenas a título ilustrativo, modificou-se o regime dos recursos extraordinário e especial, com o retorno do juízo de admissibilidade na segunda instância (o que se fez por meio da alteração da redação do art. 1.030 do CPC). 

 7. Além disso, há que se ter em mente que o entendimento do STJ fora
firmado sob a égide do CPC revogado. Entende-se como perfeitamente
legítimo ao Poder Legislativo editar nova regulamentação legal em sentido diverso do que vinham decidindo os tribunais. Cabe aos tribunais interpretar e observar a lei, não podendo, entretanto, descartar o texto legal por preferir a redação dos dispositivos decaídos. A atuação do legislador que acarreta a alteração de entendimento firmado na jurisprudência não é fenômeno característico do Brasil, sendo conhecido nos sistemas de Common Law como overriding. 

 8. Sobre a matéria discutida, o Enunciado n. 6 da I Jornada de Direito
Processual Civil do Conselho da Justiça Federal – CJF afirma que: “A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º, do art. 85 do CPC.” 

 9. Não se pode alegar que o art. 8º do CPC permite que o juiz afaste o art. 85, §§ 2º e 3º, com base na razoabilidade e proporcionalidade, quando os honorários resultantes da aplicação dos referidos dispositivos forem elevados. 

 10. O CPC de 2015, preservando o interesse público, estabeleceu   disciplina específica para a Fazenda Pública, traduzida na diretriz de que quanto maior a base de cálculo de incidência dos honorários, menor o percentual aplicável. O julgador não tem a alternativa de escolher entre aplicar o § 8º ou o § 3º do artigo 85, mesmo porque só pode decidir por equidade nos casos previstos em lei, conforme determina o art. 140, parágrafo único, do CPC. 

 11. O argumento de que a simplicidade da demanda ou o pouco trabalho exigido do causídico vencedor levariam ao seu enriquecimento sem causa – como defendido pelo amicus curiae COLÉGIO NACIONAL DE PROCURADORES GERAIS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL/CONPEG – deve ser utilizado não para respaldar apreciação por equidade, mas sim para balancear a fixação do percentual dentro dos limites do art. 85, § 2º, ou dentro de cada uma das faixas dos incisos contidos no § 3º do referido dispositivo. 

 12. Na maioria das vezes, a preocupação com a fixação de honorários elevados ocorre quando a Fazenda Pública é derrotada, diante da louvável consideração com o dinheiro público, conforme se verifica nas divergências entre os membros da Primeira Seção. É por isso que a matéria já se encontra pacificada há bastante tempo na Segunda Seção (nos moldes do REsp n. 1.746.072/PR, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, DJe de 29/3/2019), no sentido de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%, conforme previsto no art. 85, § 2º, inexistindo espaço para apreciação equitativa nos casos de valor da causa ou proveito econômico elevados. 

 13. O próprio legislador anteviu a situação e cuidou de resguardar o erário, criando uma regra diferenciada para os casos em que a Fazenda Pública for parte. Foi nesse sentido que o art. 85, § 3º, previu a fixação escalonada de honorários, com percentuais variando entre 1% e 20% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico, sendo os percentuais reduzidos à medida que se elevar o proveito econômico. Impede-se, assim, que haja enriquecimento sem causa do advogado da parte adversa e a fixação de honorários excessivamente elevados contra o ente público. Não se afigura adequado ignorar a redação do referido dispositivo legal a fim de criar o próprio juízo de razoabilidade, especialmente em hipótese não prevista em lei. 

 14. A suposta baixa complexidade do caso sob julgamento não pode ser
considerada como elemento para afastar os percentuais previstos na lei. No ponto, assiste razão ao amicus curiae Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, quando afirma que “esse dado já foi levado em consideração pelo legislador, que previu ‘a natureza e a importância da causa’ como um dos critérios para a determinação do valor dos honorários (art. 85, § 2º, III, do CPC), limitando, porém, a discricionariedade judicial a limites percentuais. Assim, se tal elemento já é considerado pelo suporte fático abstrato da norma, não é possível utilizá-lo como se fosse uma condição extraordinária, a fim de afastar a incidência da regra”. Idêntico raciocínio se aplica à hipótese de trabalho reduzido do advogado vencedor, uma vez que tal fator é considerado no suporte fático abstrato do art. 85, § 2º, IV, do CPC (“o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”). 

 15. Cabe ao autor – quer se trate do Estado, das empresas, ou dos cidadãos – ponderar bem a probabilidade de ganhos e prejuízos antes de ajuizar uma demanda, sabendo que terá que arcar com os honorários de acordo com o proveito econômico ou valor da causa, caso vencido. O valor dos honorários sucumbenciais, portanto, é um dos fatores que deve ser levado em consideração no momento da propositura da ação. 

 16. É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em
execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções muitas vezes são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. Com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode premiar tal postura. 

 17. A fixação de honorários por equidade nessas situações – muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória – apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota. 

 18. Tal situação não passou despercebida pelos estudiosos da Análise
Econômica do Direito, os quais afirmam com segurança que os honorários sucumbenciais desempenham também um papel  sancionador e entram no cálculo realizado pelas partes para chegar à decisão – sob o ponto de vista econômico – em torno da racionalidade de iniciar um litígio. 

 19. Os advogados devem lançar, em primeira mão, um olhar crítico sobre a viabilidade e probabilidade de êxito da demanda antes de iniciá-la. Em seguida, devem informar seus clientes com o máximo de transparência, para que juntos possam tomar a decisão mais racional considerando os custos de uma possível sucumbência. Promove-se, dessa forma, uma litigância mais responsável, em benefício dos princípios da razoável duração do processo e da eficiência da prestação jurisdicional. 

 20. O art. 20 da “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”
(Decreto-Lei n. 4.657/1942), incluído pela Lei n. 13.655/2018, prescreve que, “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se  decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Como visto, a consequência prática do descarte do texto legal do art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, do CPC, sob a justificativa de dar guarida a valores abstratos como a razoabilidade e a proporcionalidade, será um poderoso estímulo comportamental e econômico à propositura de demandas frívolas e de caráter predatório. 

 21. Acrescente-se que a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do § 8º do artigo 85 do CPC/2015, pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF. 

 22. Embora não tenha sido suscitado pelas partes ou amigos da Corte, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração de jurisprudência dominante do STJ, a qual ainda se encontra em vias de consolidação. 

 23. Assim, não se configura a necessidade de modulação dos efeitos do julgado, tendo em vista que tal instituto visa a assegurar a efetivação do princípio da segurança jurídica, impedindo que o jurisdicionado de boa-fé seja prejudicado por seguir entendimento dominante que terminou sendo superado em momento posterior, o que, como se vê claramente, não ocorreu no caso concreto. 

 24. Teses jurídicas firmadas: i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. 

  25. Recurso especial conhecido e provido, devolvendo-se o processo ao
Tribunal de origem, a fim de que arbitre os honorários observando os limites contidos no art. 85, §§ 3°, 4°, 5° e 6º, do CPC, nos termos da fundamentação.
 26. Recurso julgado sob a sistemática do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 256-N e seguintes do Regimento Interno do STJ.

Brasília, 16 de março de 2022 (Data do Julgamento) 

MINISTRO OG FERNANDES 

Relator”.

Florianópolis, 02 de junho de 2022.